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GOAT — Entre o Corpo, o Mito e o Preço da Grandeza

Ontem eu assisti GOAT. Dormi com ele e acordei com ele, e talvez isso diga mais sobre o filme do que qualquer análise técnica. Porque GOAT reverbera. Incomoda. Fica. E talvez fique justamente porque toca num ponto que o cinema raramente se atreve a encarar com tanta brutalidade: a dor física e simbólica do esporte.

Dirigido por Justin Tipping e apadrinhado por Jordan Peele, o filme acompanha Cameron “Cam” Cade (Tyriq Withers), um jovem quarterback em ascensão que, após uma lesão quase fatal, recebe uma segunda chance das mãos do seu maior ídolo, Isaiah White (Marlon Wayans). O que começa como um sonho se transforma em um pesadelo ritualístico — um mergulho na masculinidade tóxica, na idolatria e nos limites entre treino, tortura e transcendência.

O título GOATGreatest of All Time — é mais do que uma sigla de grandeza; é uma sentença. A busca pelo “melhor de todos” se torna literal e monstruosa, quando a linhagem dos GOATs é revelada como uma sucessão de corpos sacrificados, sangue transferido, poder herdado. Há algo de religioso e profano nesse ciclo: cada geração de atletas devora a anterior, numa metáfora explícita da sociedade que consome seus heróis até o osso.

Como espectadora e como roteirista, me vi dividida. Há uma ideia potente ali; um terror corporal que conversa com a pressão do desempenho, com o corpo como campo de guerra e com a mente como campo minado. Há momentos em que o filme encontra essa carne pulsante, principalmente quando Cam treina sob o sol cortante do deserto, e o suor parece se misturar à loucura. Mas entre o segundo e o terceiro ato, a narrativa se perde: as metáforas se tornam literais demais, o visual repete fórmulas, e o clímax parece apressado;  mais preocupado em chocar do que em aprofundar.

Como esportista, reconheço o que o filme tenta dizer: o sacrifício, a cobrança, o vazio depois da glória. Aquele lugar em que só a dor te faz seguir em frente. Mas como alguém que vive o cinema, senti falta de ritmo, de sutileza e de consistência visual. A fotografia e a montagem flertam com algo interessante: os flashes em raio X, a mudança de temperatura de cor,  mas acabam se tornando excessivas, previsíveis.

Mesmo assim, GOAT me tocou num ponto íntimo: essa mistura entre corpo e mente, entre fé e dor, entre o sonho e o pesadelo de ser “o melhor”. Há uma linha fina entre superação e autodestruição, e o filme caminha exatamente sobre ela, tropeçando, às vezes, mas deixando rastros.

No fim, o sangue que escorre do corpo de Cam é o mesmo que escorre de qualquer um que já tentou ser perfeito demais em algo. GOAT não é um filme redondo, mas é um espelho rachado — e às vezes é neles que a gente mais se reconhece.

Você encontra The Goat nos Cinemas.

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