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Johatsu – Os Evaporados

Johatsu – Os Evaporados é um documentário que se aprofunda no misterioso fenômeno japonês dos Johatsu, ou os evaporados. Esses indivíduos, por diversas razões — como vergonha, dívidas ou falência pessoal — optam por desaparecer e deixar suas vidas para trás, muitas vezes com o apoio de empresas especializadas chamadas mudanças noturnas. Esse filme revela os conflitos internos dos que desapareceram e as consequências para aqueles que eles abandonaram.

A dupla de diretores Andreas Hartmann e Arata Mori traz à tela uma abordagem sensível e perturbadora sobre um fenômeno tão intrincado e culturalmente específico como o dos Johatsu. A coprodução entre Japão e Alemanha enriquece a narrativa ao incorporar diferentes prismas culturais, mantendo o foco na essência de um Japão moderno ainda preso a códigos de honra tradicionais.

O documentário começa contextualizando o histórico das mudanças noturnas, empresas que auxiliam pessoas a desaparecer e recomeçar suas vidas. Originárias da década de 90, essas empresas surgiram como uma resposta ao colapso da bolha econômica japonesa, quando muitas pessoas, incapazes de honrar suas dívidas, procuraram uma saída extrema. A pressão social intensa e a iminência da vergonha pública transformaram essa prática em algo recorrente, similar aos hikikomori – o retraimento extremo de jovens devido à pressão social e ansiedade.

O filme discute como o código de honra japonês, o bushido, influencia profundamente a maneira como os japoneses lidam com o fracasso e a vergonha. A narrativa é poderosa ao trazer pessoas que cogitam o suicídio até  chegarem ao fenômeno dos Johatsu. A vergonha, que muitos acreditam só poder ser removida por medidas radicais como o suicídio, é apresentada como uma força devastadora que leva milhares a preferir a anulação de suas existências a viver com sua realidade imperfeita.

A cinematografia do documentário é imersiva e respeitosa, nunca sensacionalista. Hartmann e Mori apresentam as histórias de forma que o espectador se sinta envolvido na luta interna e nas esperanças dos indivíduos. A trilha sonora, fortemente marcada pelos tambores japoneses taiko, contribui para a imersão, enfatizando a tensão e a gravidade dos temas abordados.

Uma curiosidade intrigante é que Johatsu não pode ser exibido no Japão, uma condição imposta pelos próprios participantes que temiam pela sua segurança e privacidade. Esta restrição adiciona uma camada de urgência e sigilo, destacando a profundidade do tabu em torno do assunto no próprio país de origem.

Ao longo do documentário, vemos não apenas o impacto devastador sobre as vidas dos que optam por desaparecer, mas também sobre aqueles que são deixados para trás. Familiares e amigos ficam com um vazio incessante, questionando a decisão de seus entes queridos e lidando com as consequências de um desaparecimento que muitas vezes não permite um encerramento emocional.

Johatsu é um documentário essencial que mergulha no turbilhão emocional e cultural dos ‘evaporados’ do Japão. Andreas Hartmann e Arata Mori oferecem ao público ocidental um olhar raro e penetrante sobre uma prática tão enraizada quanto oculta. Ganhador da Competição Principal no Festival Internacional de Documentários de Munique, o filme é uma crítica incisiva às pressões sociais extremas e aos códigos de honra que continuam a influenciar fatalmente a vida moderna no Japão. Com sua estreia em Macau e uma trilha sonora potente, este documentário é um testemunho imperdível da resistência humana e da busca desesperada por redenção e anonimato.

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Até o próximo texto.

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