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Rabia – As Esposas do Estado Islâmico (2024)

Assisti Rabia na sessão de abertura da 2ª edição do Festival de Filmes Incríveis e saí da sala em silêncio. Com aquele silêncio pesado, cheio de pensamento. É um filme que não grita. Ele murmura. Ele aperta. Ele marca.

Inspirado na história real da marroquina Faitha Mejjati (a temida Oum Adam), o longa de Mareike Engelhardt, em sua estreia como diretora, mergulha num dos aspectos menos explorados (e mais assustadores) do regime do Daesh: as madafas, casas onde jovens mulheres ocidentais, convertidas e doutrinadas, aguardavam para se tornarem esposas dos combatentes.

Acompanhamos Jessica, uma jovem francesa, que troca a promessa de liberdade por uma cela invisível em Raqqa. Inicialmente deslumbrada pela promessa de pertencimento e fé, ela logo se vê nas mãos de Madame (vivida por Lubna Azabal), uma figura carismática, fanática e cruel. Uma verdadeira regente do silêncio, da manipulação e do apagamento feminino.

O filme acerta ao fugir do sensacionalismo: não mostra a violência diretamente, mas ela está ali; nos ruídos abafados, nas portas trancadas, nos olhares desviados. A encenação usa o fora de campo como arma estética e emocional. O som, o silêncio, as marcas no corpo e na alma falam mais alto que qualquer diálogo.    Mereike Engelhardt entende o poder do não dito, e é nesse não dito que o horror cresce.

A fotografia de Agnès Godard é outro destaque: claustrofóbica quando precisa ser, etérea em alguns momentos, ela acompanha visualmente a transformação (e deformação) de Jessica: de uma jovem idealista a alguém dilacerada e moldada pela dor. A trilha sonora de David Chalmin, tênue e incômoda, reforça essa espiral sombria.

Mas talvez o maior acerto de Rabia seja o roteiro. Ele não explica, não paternaliza, não julga. Ele observa. Ele denuncia. E nos convida a refletir. Mulheres que buscam uma nova vida, uma identidade, acabam encontrando o contrário disso: submissão, vigilância, apagamento.

E há uma reviravolta cruel: o ciclo da violência se perpetua. Jessica se torna Oum Rabia (“raiva”), e a vítima começa a reproduzir aquilo que sofreu. A cena da virada é seca, sem alarde e por isso mesmo tão devastadora.

Rabia é, sim, duro. Mas necessário. Um retrato quase inédito dessas casas-prisões comandadas por mulheres, onde outras mulheres eram treinadas, moldadas e, muitas vezes, destruídas. E é também um lembrete: ainda hoje, muitas dessas meninas continuam presas no campo de refugiados de Al-Hol, vivendo o rescaldo do extremismo.

No final, o filme não oferece respostas fáceis, mas uma fagulha de esperança. E a pergunta que fica, ecoando depois dos créditos, é: quantas outras Jessicas ainda estão por aí, acreditando que estão sendo salvas, quando na verdade estão sendo silenciadas?

Você encontra Rabia- As Esposas do Estado Islâmico nos Cinemas a partir do dia 21 de Agosto .

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Até o próximo texto.

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