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Ruas da Glória: O Amor à beira do abismo

Desde Tá e Fala Comigo, Felipe Sholl vem lapidando um olhar próprio sobre o desejo e o afeto. Em Ruas da Glória, essa crescente se confirma, Sholl parece mais solto, mais corajoso, e confortável para filmar o que muita gente ainda evita: o corpo, o tabu, o vazio. É um filme que respira o caos do Rio à noite, entre o suor, a luz e a falta dela.

Gabriel (Caio Macedo) chega à cidade depois da morte da avó, tentando encontrar vida onde antes só havia rotina. Professor de literatura, ele se torna observador e participante do que se mostra curioso: os homens que vendem prazer e sobrevivem do desejo alheio. Até conhecer Adriano (Alejandro Claveaux), um garoto de programa uruguaio que se torna seu ponto de fuga, e de queda. O que nasce como curiosidade vira dependência; o amor, aqui, é experiência de risco.

Felipe Sholl filma a cidade como extensão emocional dos personagens. As ruas da Glória e da Cinelândia não são apenas cenários, são estados de espírito. Há sempre algo pulsando; uma sirene, uma música de festa, um corpo que passa. O uso da câmera na mão e da lente anamórfica aproxima, comprime, e cria um sentimento de urgência. A exceção é a cena do espelho, o ponto de virada, quando a lente se fecha e o mundo de Gabriel também.

A relação entre Gabriel e Adriano é intensa e inquieta, feita de presença e ausência. Caio Macedo entrega uma atuação delicada, construída no olhar, na hesitação, na entrega contida, quase de uma inocência. Alejandro Claveaux equilibra vulnerabilidade e mistério, evitando a caricatura do “salvador” ou do “perdido”. A química entre os dois é crua, imprevisível, quase perigosa para não dizer tóxica.

Com trilha que vai de Letrux ao silêncio, o filme se move entre o documental e o delírio. O trabalho sexual, o luto e o vício aparecem não como choque, mas como consequência de um corpo que quer sentir e de um afeto que, às vezes, machuca mais do que cura.

Ruas da Glória é um retrato sobre o amor e seus desastres. Sobre a solidão que nem o corpo do outro resolve. Sobre a cidade que continua viva enquanto a gente desaba por dentro. Felipe Sholl filma com coragem e intimidade, transformando o caos noturno do Rio num espelho daquilo que ainda tentamos entender em nós mesmos.

Você encontra Ruas da Glória no Festival do Rio .
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