Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria é um daqueles filmes que todo mundo precisa ver. Saí impactada da sessão no Festival do Rio e demorei dias para digerir tudo o que Mary Bronstein constrói aqui. É um filme que te atravessa; não por gritar, mas por expor com precisão e ironia o que significa ser mulher (e mãe) em colapso.
Mary Bronstein não filma apenas uma mulher à beira de um colapso, ela filma o colapso em si. Em Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria, Rose Byrne é Linda, uma mãe, psicóloga e sobrevivente de um cotidiano que parece conspirar contra ela. O teto literalmente desaba, e a metáfora não poderia ser mais óbvia e mais dolorosamente real. Depois que a água invade o apartamento, Linda é obrigada a se mudar para um motel com a filha doente. O marido está sempre ausente, o terapeuta parece mais interessado em provocá-la do que em ajudá-la, e o mundo inteiro parece lhe exigir equilíbrio quando tudo o que ela precisa é de cinco minutos de silêncio e solitude. A vida desmorona em câmera lenta e, de alguma forma, ainda assim ela precisa dar conta de tudo.
“Deve ser legal fazer as coisas para se divertir.”
O filme, distribuído pela A24, é uma comédia sombria com cara de pesadelo doméstico. Mary Bronstein filma o caos com precisão: as câmeras próximas, os closes sufocantes, os enquadramentos que cortam o ar. A ausência visual da filha, que só aparece de corpo fragmentado, em pés, mãos e orelhas, é um gesto brilhante. A criança existe, mas o foco está na mãe, e isso muda tudo. Se víssemos a menina por completo, talvez esquecêssemos de olhar para Linda, e é justamente sobre isso que o filme fala: sobre a mulher que desaparece por trás da função de ser mãe.
“Isso é típico dela.”
Rose Byrne está monumental. Vencedora do Urso de Prata de Melhor Atriz em Berlim, ela equilibra exaustão, desespero e ironia com uma entrega que parece saída de um transe. Em cada expressão dela há culpa e resistência, vergonha e amor. Byrne não interpreta a “boa mãe”, ela vive a mulher real, que quer amar, mas também quer fugir. Que ama o silêncio tanto quanto teme a solidão. O roteiro de Bronstein, ao mesmo tempo cruel e engraçado, tem um humor que nasce do absurdo da rotina. “Se eu tivesse pernas, eu te chutaria” não é apenas um título provocativo — é um grito abafado de todas as mulheres que tentam sustentar uma casa, um trabalho, uma criança e a própria sanidade.
“Só quero que alguém me diga o que fazer.”
A diretora brinca com os gêneros: há drama, há comédia, há um leve tom de thriller psicológico. E em meio a tudo isso, surge o retrato cru da maternidade contemporânea; uma maternidade atravessada por culpa, vergonha e exaustão. A mãe perfeita é uma ficção tão perigosa quanto o teto que ameaça cair. O filme faz uma pergunta silenciosa: será que todas nasceram para ser mãe? E uma afirmação ainda mais incômoda: ser mulher já é, por si só, uma forma de resistência. No fim, Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria deixa uma sensação que fica no corpo. É impossível sair igual. Porque depois de acompanhar Linda, você nunca mais olha para a sua mãe — nem para si mesma — da mesma maneira.
Você encontra Se Eu Tivesse Pernas, Eu te Chutaria no Festival do Rio .
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