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Premonição 6: Laços de Sangue — A Morte Nunca Esquece

A franquia Premonição sempre teve um pacto com o espectador: provocar calafrios existenciais por meio de acidentes improváveis e mortes inevitáveis. Quem assistiu aos filmes anteriores sabe do que estou falando — é impossível não acelerar o passo ao ver um caminhão de toras pela frente ou repensar a ideia de entrar numa cama de bronzeamento. Com Laços de Sangue, sexto capítulo da saga, esse pacto é renovado com sangue, medo e um inesperado toque de emoção familiar.

Dirigido por Zach Lipovsky e Adam B. Stein, e com roteiro assinado por Guy Busick (Pânico 5 e 6), Lori Evans Taylor e Jon Watts, o novo filme surpreende ao deixar de lado os grupos de amigos e apostar em uma narrativa centrada numa família assombrada por uma maldição transgeracional. A jovem Stefanie (Kaitlyn Santa Juana) começa a ter visões brutais envolvendo a morte dos seus entes queridos. Buscando respostas, ela retorna às suas origens e encontra na avó Iris (vivida por Gabrielle Rose e por Brec Bassinger, em flashbacks) o fio da meada de um trauma que remonta aos anos 60 — uma era em que o destino também tentou, em vão, ser burlado.

O que eleva Laços de Sangue entre os melhores da franquia em relação aos últimos é justamente o roteiro: coeso, bem ritmado e emocionalmente ancorado. As mortes aqui voltam a ter um propósito. Não são apenas acidentes mirabolantes — são presságios cuidadosamente arquitetados para mexer com o imaginário do espectador. Você sai da sala de cinema pensando duas vezes antes de fazer um churrasco ou até ir à um hospital. A sensação de vulnerabilidade retorna com força.

A trilha sonora é outro trunfo do filme. Ela age como prenúncio, criando uma tensão que pulsa como um batimento cardíaco prestes a parar. Já a direção, apesar de competente na condução dos sustos, peca por um excesso de artificialidade em suas sequências iniciais — em especial na cena da torre, onde a computação gráfica compromete a imersão.

Mas Laços de Sangue não é só sobre sustos. É também sobre legado. Ao trazer de volta Tony Todd como o icônico JB — agora com uma história de origem revelada —, o longa amarra pontas soltas e oferece aos fãs da franquia uma recompensa tardia: a compreensão de que a Morte, neste universo, é uma entidade impessoal, mas vigilante. JB é o elo entre gerações de sobreviventes e também um lembrete de que ninguém escapa para sempre.

Ao optar por um elo de sangue como núcleo emocional, Premonição 6 revigora sua mitologia e reafirma sua relevância. É um retorno digno, sangrento e, acima de tudo, eficaz. Porque o que realmente marca um bom filme Premonição não é apenas como se morre — mas o quanto essas mortes nos fazem temer pela nossa própria vida e pensa-las no cotidiano.

Você encontra Premonição 6- Laços de Sangue nos Cinemas a partir do próxima quinta-feira (15 de Maio).

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Até o próximo texto.

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Os Sapos – Entre Relações Tóxicas e a Busca por Identidade

Adaptação da peça homônima de Renata Mizrahi, Os Sapos é um filme que transita entre o drama e a comédia com uma naturalidade desconcertante. Sob a direção de Clara Linhart, a narrativa se desenrola em um cenário bucólico que, paradoxalmente, abriga tensões sufocantes e relações marcadas pela toxicidade emocional.

A trama acompanha Paula (Talita Carauta), uma mulher de quase 40 anos que viaja para um reencontro com amigos do colégio, apenas para descobrir que a confraternização foi cancelada. Presa no local até o dia seguinte, ela convive com Marcelo (Pierre Santos) e sua namorada não assumida, Luciana (Karina Ramil), além do casal vizinho, Cláudio (Paulo Hamilton) e Fabiana (Verônica Reis). A presença inesperada de Paula acaba funcionando como um catalisador para expor as frustrações e conflitos que essas relações carregam.

O grande trunfo do filme é seu olhar afiado sobre o amor e suas amarras invisíveis. Aqui, não se trata do romantismo idealizado, mas do amor que aprisiona, que mina a autoestima e que, muitas vezes, se confunde com dependência emocional. Através de diálogos ágeis e uma atmosfera quase teatral, Os Sapos mergulha na fragilidade dos vínculos humanos, sem entregar respostas fáceis.

Talita Carauta é o coração do filme. Conhecida por seus papéis cômicos, a atriz surpreende ao carregar a complexidade de Paula com sutileza e intensidade, dominando cada cena sem precisar de grandes gestos ou falas. Sua presença nos conduz por um enredo que se desenrola  permitindo que os espectadores sintam a crescente tensão entre os personagens.

O roteiro de Renata Mizrahi é certeiro ao abordar dinâmicas de poder dentro dos relacionamentos. O casal Cláudio e Fabiana, por exemplo, encarna a caricatura do amor tóxico sustentado por manipulação e insegurança. Já Marcelo e Luciana representam a zona cinzenta dos relacionamentos modernos, onde a falta de compromisso não é liberdade, mas sim um sintoma de algo mais profundo e disfuncional.

Vencedor de prêmios no Festival Internacional de Cinema de João Pessoa e reconhecido em festivais internacionais, Os Sapos prova que um filme não precisa de grandes reviravoltas para ser impactante. Com um elenco afiado e um roteiro que provoca reflexões sobre os padrões emocionais que seguimos (muitas vezes sem perceber), essa tragicomédia se firma como um retrato perspicaz das relações humanas.

Os Sapos já está nos cinemas. Vale a pena conferir e refletir sobre as relações que escolhemos (ou aceitamos) viver.

Você encontra Os Sapos nos maiores Cinemas.

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A Semente do Fruto Sagrado

A Semente do Fruto Sagrado emerge como uma obra rica em camadas, refletindo não apenas a realidade angustiante do Irã contemporâneo, mas também a corajosa determinação de seu diretor e roteirista, Mohammad Rasoulof, que, com talento e criatividade, conseguiu produzir este filme em um ambiente de opressão e censura. Realizado clandestinamente, a obra não só se posiciona como um grito de resistência cultural, mas também como um poderoso relato pessoal de sua luta contra um regime autoritário que o persegue.

Inspirado pela trágica morte de Mahsa Amini, que acendeu uma onda de protestos pela liberdade no Irã, o filme segue a vida de Iman (Missagh Zareh), um investigador judicial cujo mundo é desmantelado por sua paranoia e pela corrupção que o cerca. Ao perceber que sua esposa e filhas não compartilham suas opiniões políticas, Iman inicia uma espiral de desconfiança e tensão familiar. À medida que o conflito se intensifica, a narrativa se transforma em um espelho das lutas sociais que estão acontecendo no país.

O que torna A Semente do Fruto Sagrado ainda mais impressionante é o contexto em que foi desenvolvido. Rasoulof, que já enfrentou a prisão e perseguições por suas obras críticas ao regime iraniano, consagrou seus esforços à realização deste filme de forma clandestina, consciente dos riscos que isso acarretaria. Esta coragem é palpável em cada quadro, e o peso de sua realidade pessoal se entrelaça com a história que ele conta. Rasoulof não apenas narra uma trama de ficção; ele expõe as duras realidades de viver em um estado que persegue e silencia vozes dissidentes.

O roteiro é meticulosamente elaborado, utilizando simbolismo e metáforas que conectam a tragédia familiar com a luta mais ampla pela liberdade no Irã. As interações entre os personagens são repletas de nuances, refletindo o estado psicológico de uma nação frente à opressão. O equilíbrio entre a ficção e a realidade é feito com uma sofisticação que permite ao espectador vivenciar a tensão crescente, onde cada escolha do protagonista é uma questão de vida ou morte, não apenas para ele, mas para sua família. Visualmente, o filme é impressionante, com planos que capturam a beleza e a agonia do cotidiano iraniano, criando uma conexão emocional que transcende cultura e geografia.

Rasoulof transforma uma narrativa de opressão em uma exploração profunda das relações familiares. A desconexão entre Iman e suas filhas e esposa representa não apenas a fragmentação do núcleo familiar, mas também como o totalitarismo infiltra e destrói os laços humanos. A luta pela liberdade de expressão e a resistência à opressão são palpáveis em cada cena, tornando o filme uma alegoria da condição humana em tempos de crise.

A Semente do Fruto Sagrado é uma obra audaciosa que não apenas destaca a opressão enfrentada no Irã, mas se torna um testemunho da resistência criativa frente à censura. A coragem de Mohammad Rasoulof em realizar este filme é um ato de coragem que ressoa com todos aqueles que defendem a liberdade de expressão. Com uma narrativa poderosa, o filme desafia o público a refletir sobre a luta pela justiça e a necessidade de coragem para resistir.

Você encontra A Semente do Fruto Sagrado nos Cinemas.

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Anora

Desde que Sean Baker surgiu no cenário cinematográfico com obras marcantes como Tangerina (2015) e Projeto Florida (2017), seu nome tem sido sinônimo de autenticidade e experimentação no cinema independente. Com Anora, Baker não só consolida seu status como um dos criadores mais ousados de sua geração, mas também abre caminho para a temporada de prêmios, posicionando seu novo filme como um forte concorrente ao Oscar de 2025 – especialmente após ser coroado com a Palma de Ouro em Cannes 2024.

Baker, que assina tanto o roteiro quanto a direção, prova novamente ser um exímio observador da humanidade, com um talento único para explorar e humanizar personagens marginalizados. Sob o pretexto de uma comédia romântica, ele constrói em Anora um filme que transborda crítica social, nuances emocionais e uma sensibilidade estética que é ao mesmo tempo crua e deslumbrante. O resultado é uma história que desconstrói o conto de fadas empacotado em Hollywood e entrega algo infinitamente mais real, mais doloroso e mais memorável.

O roteiro é um dos pilares mais fortes do filme. Sean Baker consegue equilibrar com diálogos naturalistas, momentos de leveza cômica e reflexões sobre poder, classe social e trabalho sexual. A protagonista Ani ou Anora, como é chamada ao longo do filme ganha profundidade e camadas como raramente se vê em personagens femininas. Interpretada por Mikey Madison em sua performance mais impactante até agora, Ani é uma protagonista complexa em todos os sentidos. Vivendo como trabalhadora do sexo no Brooklyn, Ani encara os desafios diários de sua rotina com uma mistura de pragmatismo e cuidado: fazendo piadas, comendo no meio do expediente e conversando com amigas, enquanto navega por um ambiente cercado de preconceitos.

A genialidade do roteiro está em construir sua trajetória sem didatismos ou paternalismos. Ani, com sua personalidade forte e vulnerável, não é apresentada como vítima absoluta nem como heroína, mas como uma mulher cuja humanidade é mostrada em cada cena.  Madison entrega uma interpretação recheada de nuances, mesclando força e ingenuidade. É impossível não se conectar com sua Ani, uma personagem cujas escolhas imprudentes têm consequências trágicas, mas que nunca perde sua dignidade. A relação da personagem com Ivan (Mark Eydelshteyn), o filho de um oligarca russo, revela a disparidade crua entre aqueles que sofrem com a desigualdade social e aqueles que permanecem acima de quaisquer consequências.

Sean Baker não se contenta em contar uma história; ele transforma Anora em uma experiência cinematográfica quase tátil. A direção é precisa, criativa e permeada por uma energia que captura tanto o caos quanto a esperança de sua narrativa. Baker sabe perfeitamente quando desacelerar para explorar os momentos mais íntimos – entre Ani e suas amigas ou mesmo suas interações mais vulneráveis com Ivan – e quando escalar a trama para o puro absurdo.

No segundo ato, quando a família de Ivan entra na história e uma comitiva de capangas chega ao Brooklyn para anular o casamento do casal, Baker eleva a comédia ao limite do tragicômico. O caos instaurado nas situações – tragicômicas e absurdas – que se seguem é um triunfo criativo, ao mesmo tempo em que serve como veículo para uma crítica contundente às dinâmicas de poder. Baker expõe o ridículo dessas situações, mas nunca de forma gratuita, usando o exagero como forma de intensificar o impacto emocional e crítico do longa.

A fotografia  é, simplesmente, espetacular. O filme transita entre momentos de intensa intimidade e sequências grandiosas embaladas pela vibrante estética neon do Brooklyn. A fotografia captura a pulsação da cidade: é ao mesmo tempo elétrica e sufocante, delicada e brutal.  Sean Baker sabe como usar a paleta de cores saturada para amplificar a viagem emocional de sua protagonista – seja nos tons quentes que iluminam uma noitada de sonhos com Ivan ou os tons frios e desolados que refletem as duras investidas do mundo ao redor de Ani.

A trilha sonora também brilha como um elemento-chave. Sua força vai além de complementar a narrativa; ela é uma extensão dos eventos do filme, capaz de carregar peso dramático em cenas silenciosas e intensificar o ritmo das sequências mais caóticas. A escolha precisa de cada faixa, como TATU na trilha sonora é um golpe de mestre: ao mesmo tempo nostálgica e provocativa, sua presença musical ressoa de forma poderosa, contribuindo para um ambiente que mistura o clássico e o moderno, o leve e o pesado.

Embora Anora seja vendido como uma comédia romântica – e, em determinados momentos, flerte com esse tom –, é na desconstrução do gênero que a obra realmente brilha. Baker utiliza as convenções do conto de fadas moderno para expor a disparidade de classes e as injustiças intrínsecas entre aqueles que têm poder e aqueles que vivem à margem.

Ivan, o filho de uma família rica que age com desdém sobre suas ações, é o completo oposto de Ani, que precisa lidar com todas as consequências de suas escolhas. Enquanto ele retorna para a Rússia sem nenhuma marca de sua experiência, ela é deixada para recolher os pedaços da vida que tentou construir. O filme não dá respostas fáceis nem oferece conforto. O final é desconfortável, porém autêntico, refletindo de forma honesta as desigualdades de um mundo onde poder e privilégio ditam as regras.

Anora não é apenas um grande filme; é uma obra que reafirma o talento de Sean Baker. Em um ano competitivo, é difícil imaginar que o filme não continue ganhando atenção na temporada de prêmios. É um filme que transcende os rótulos, ao mesmo tempo acessível e desafiador, comédia e drama, deslumbrante e desconfortável.

Você encontra Anora a partir do dia 23 de Janeiro nos Cinemas.

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Conclave

Conclave, a mais recente adaptação do renomado livro de Robert Harris, sob a direção de Edward Berger, e que teve passagem no Festival do Rio de 2024 como uma das grandes surpresas e logo se destacou como um forte concorrente em premiações, incluindo o Globo de Ouro. Com um elenco de peso liderado por Ralph Fiennes e Isabella Rossellini, o filme nos transporta para os segredos e intrigas que permeiam o processo de escolha de um novo papa, um evento que ocorre nas sombras da Capela Sistina, entre cédulas queimadas e fumaças brancas.

“O trono da Santa Fe está vago”

A trama se desenrola após a morte inesperada de um amado papa, quando o Cardeal Thomas Lawrence (Fiennes) é incumbido da imensa responsabilidade de conduzir o conclave, uma tradição de isolamento e sigilo que remonta a oito séculos. Em um ambiente repleto de pressões internas, Lawrence rapidamente percebe que não está apenas lidando com a escolha de um novo líder espiritual, mas se vê imerso em um labirinto de conspirações e segredos que podem abalar os alicerces da Igreja Católica.

A direção de Edward Berger captura a tensão palpável nos corredores do Vaticano, do silêncio reverente da Capela Sistina aos sussurros estratégicos de líderes ambiciosos. O roteiro de Peter Straughan equilibra diálogos instigantes com momentos de reflexão sobre o papel da Igreja na contemporaneidade.

“40 anos sem papa italiano”

Um dos pontos fortes de “Conclave” é, sem dúvida, sua direção de arte e fotografia. A atmosfera única do Vaticano é retratada com riqueza de detalhes, criando um cenário que não apenas serve como pano de fundo, mas como um personagem à parte que influencia o desenrolar da história. Por outro lado, o filme também provoca controvérsias. A reação do bispo norte-americano Robert Barron, que pediu boicote ao longa, ilustra o impacto que Conclave pode ter sobre o público católico. Sua crítica, que destaca uma visão negativa da hierarquia da Igreja, aponta para um nervo exposto: as dinâmicas internas da instituição. No entanto, é exatamente essa divisão interna entre progressistas e tradicionalistas, que o filme aborda com ousadia, que faz da narrativa um tema relevante e pertinente.

Conclave não se furta a discutir temas contemporâneos como o papel das mulheres na Igreja e as mudanças sociais que estão em jogo. Ao colocar seus personagens em situações que desafiam a ordem tradicional, o filme convida o espectador a refletir sobre a necessidade de adaptação e transformação em uma instituição histórica. Embora o filme abrace uma perspectiva crítica, ele também é um convite ao diálogo sobre estes temas, uma jornada que esmiúça o ethos da Igreja Católica contemporânea. As atuações de Fiennes e Rossellini são potentes, trazendo profundidade e complexidade a personagens que navegam neste mar de ambição e fé.

Em suma, Conclave é uma obra cinematográfica audaciosa e visualmente impressionante que, além de contar uma história intrigante, provoca reflexões sobre questões contemporâneas e a essência do poder.

Você encontra Conclave a partir do dia 23 de Janeiro nos Cinemas.

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A Real Pain

A Real Pain é um marcante longa-metragem roteirizado, dirigido, produzido e estrelado por Jesse Eisenberg, que teve passagem pelo Festival do Rio 2024. Esta comédia dramática nos proporciona uma experiência emocional profunda ao abordar temas como o luto, a memória e as complexidades das gerações de imigrantes. O filme acompanha dois primos que saem dos Estados Unidos para uma viagem à Polônia, na tentativa de se reconectarem com suas raízes judaicas.

Kieran Culkin, cuja atuação já lhe rendeu um Globo de Ouro recentemente, rouba a cena com uma performance que é tanto hilária quanto comovente. Se em Succession seu personagem Roman Roy era uma figura cheia de ironia e tensão, aqui Culkin entrega algo mais  multidimensional. Sua expressão está sempre viva, oscilando rapidamente entre ironia, comédia e hostilidade brincalhona, conforme ele encapsula a complexidade da dor e do humor humano.

Eisenberg permite que o filme seja frequentemente dominado pela atuação de Culkin. Há muitos closes em Culkin, revelando lentamente as camadas emocionais ocultas, dando-nos momentos em que parece possível enxergar seu futuro eu mais velho e o seu passado/presente marcado por dor, uma figura atemporal que poderia ter qualquer idade. Esse toque de direção revela a profundidade da dor e da vivência autêntica que permeia todo o filme.

Mas o que faz de A Real Pain uma experiência única é a imersão no “entre” — a extensa janela de autodescoberta que habita o silêncio do abrir e fechar das cortinas de um espetáculo. Através de uma viagem repleta de memórias e paisagens arquitetônicas da Polônia, o reconhecimento histórico e pessoal se torna palpável à medida que os primos exploram desde campo de concentração até monumentos de celebração, transformando o tour turístico em uma jornada de reverência e contemplação.

Em meio às gargalhadas e às lágrimas, o filme é, de fato, uma ode às dores da alma, mostrando-nos como rir em meio aos trágicos momentos da vida adulta. Eisenberg nos desafia a ver a solidão não apenas como isolamento, mas como uma oportunidade para a solitude e a percepção do luto por uma nova ótica.  Ele utiliza sua falta de tato social e humor peculiar para oferecer uma narrativa cativante sobre dois primos que vivem momentos distintos, mas encontram um terreno comum na busca por suas raízes.

A Real Pain convida o espectador a embarcar em uma narrativa emocional que é menos sobre como tudo termina, mas sobre a jornada em si – o caminho entre o começo e o fim, onde a vida realmente acontece. O filme, com seu caráter individual e identidade distintiva, transforma as perdas da vida em comédia e contemplação,  trazendo à tona a beleza na dor e no renascimento. Afinal, somos todos sobreviventes porque viver é sobreviver a verdadeira dor.

Você encontra A Verdadeira Dor a partir do dia 30 de Janeiro nos Cinemas.

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Maria – A Resiliente Voz da Tragédia e a Força de Angelina Jolie

O fascinante mundo da ópera e a trágica vida de sua maior estrela, Maria Callas, ganham vida no drama biográfico Maria, dirigido por Pablo Larraín e roteirizado por Steven Knight. Conhecido por trazer à grande tela histórias complexas de mulheres notáveis, como visto em Jackie e Spencer, Larraín oferece, mais uma vez, uma narrativa envolvente ao lado do roteirista Steven Knight. A interpretação de Angelina Jolie como protagonista promete ser uma  grande atuação para o ano, potencialmente direcionada a uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

Maria se concentra na última semana de vida da lendária soprano greco-americana, cuja carreira foi marcada por uma técnica de bel canto impecável, um poderoso alcance vocal e interpretações psicológicas profundas. Através da delicada direção de Larraín, acompanhamos Callas não apenas em seu ofício, mas também nos delírios causados pelo abuso de Mandrax, que combinados com uma vida solitária contrastam intensamente com seu amor pela adoração do público.

“Não estou com fome. Venho aos restaurantes para ser adorada.”

A trama mergulha em questões íntimas, revelando os efeitos devastadores da solidão de Callas e seu amor complexo pelo magnata Aristotle Onassis. A atuação de Jolie é destacada não apenas pelos treinos extensivos que a atriz passou para capturar a postura, respiração, sotaque e o próprio canto de Callas, mas também pela sua habilidade em transmitir a angústia e vulnerabilidade da cantora nos seus momentos mais debilitados. A performance de Jolie é sutil e poderosa.

O filme se diferencia pela sua construção visual. A fotografia e montagem são combinadas, alternando entre filmagens em preto e branco e cenas coloridas. Os closes de Maria e os vídeos históricos de suas apresentações trazem uma autenticidade que mergulha o espectador na realidade daquele tempo. As cenas de ópera são meticulosamente recriadas, transportando o público aos memoráveis palcos de Londres, Milão, e Paris. É importante notar também as performances de Haluk Bilginer e Valeria Golino, que, como personagens secundários, acrescentam camadas adicionais ao drama da vida real de Callas. Eles complementam a jornada emocional de Maria.

Maria vai além de apenas uma simples biografia; é um retrato sensível de uma mulher cuja vida foi tão cheia de glórias quanto de dores. Pablo Larraín e Angelina Jolie criaram uma obra que não só honra a memória de Maria Callas, mas também evidencia a complexidade de seu legado.

Com a temporada de prêmios se aproximando, é justo afirmar que Maria posiciona-se como um concorrente, especialmente nas categorias de Melhor Atriz e quem sabe Melhor Direção. A performance de Jolie já garantiu uma indicação ao Globo de Ouro. Em suma, “Maria” é um filme que oferece uma visão rara e intimista de uma das vozes mais icônicas da ópera mundial e apresenta um trabalho cinematográfico que é, ao mesmo tempo, visualmente deslumbrante e emocionalmente impactante.

Você encontra Maria a partir do dia 16 de Janeiro nos Cinemas.

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Bolero, o Mistério de Ravel

Bolero, O Mistério de Ravel , dirigido por Anne Fontaine, foi selecionado para a 15ª edição do Festival Varilux de Cinema Francês 2024. O filme exibe uma produção impecável, com um elenco adequado, figurinos e cenários de época meticulosamente recriados, e diálogos claros que elucidam a trama. No entanto, essa precisão e segurança podem ser vistas como uma abordagem excessivamente resumida e talvez asfixiante em termos de potencial narrativo.

“Nada é mais concreto do que a música.”

Bolero se passa em 1928, durante os vibrantes anos loucos de Paris, quando a dançarina Ida Rubinstein encomenda a Maurice Ravel uma composição para seu próximo balé. Enfrentando uma crise de inspiração, o filme nos leva a revisitar os capítulos da vida de Ravel, interpretado competentemente por Raphaël Personnaz, incluindo seus desafios precoces, as cicatrizes da Grande Guerra e um amor não correspondido por sua musa Misia Sert. Ravel, uma figura complexa e cartesiana, é retratado como um homem notavelmente sensível devotado à música – ao ponto de declarar que nunca se casou porque estava casado com a música.

“Acho que me perdi em minha própria música.”

Apesar da ambientação impecável e das boas intenções narrativas, o filme muitas vezes sucumbe a uma abordagem que não explora plenamente o potencial emocional e psicológico de seus personagens. Há vários filmes possíveis dentro deste, cada um mais provocativo que o outro, mas todos parecem asfixiados em suas possibilidades únicas por essa abordagem resumida. A repressão sexual de Ravel, por exemplo, é subutilizada; sua falta de impulso carnal é reduzida a gestos de afeto não correspondidos ou a incapacidade de expressar seus verdadeiros sentimentos. Essa explosão de possibilidade é tratada apenas como um pano de fundo, não alcançando o clímax emocional necessário.

O filme também deixa de explorar profundamente a percepção intelectual e emocional de Ravel em relação ao trabalho artístico da bailarina, evidenciando uma defasagem perceptiva entre ele e a dança meramente de um ponto de vista intelectual. Tais nuances estão presentes e disponíveis para o olhar atento, mas a direção de Fontaine, embora competente, não lhes dedica a atenção devida, preferindo manter uma narrativa segura e linear em um “safe zone”.

“A cada 15 minutos, alguém no mundo está tocando Bolero de Ravel.”

Bolero é um filme agradável, que sabe seduzir o espectador com sua mistura de leveza e beleza cativantes. No entanto, ele se revela uma obra sem grandes sustos narrativos, mas também sem grandes provocativas. Anne Fontaine, ao construir a biografia de Maurice Ravel, nos entrega um trabalho visualmente esplêndido, mas que parece se contentar em permanecer na superfície do drama do personagem, em vez de mergulhar nas profundezas de suas complexidades emocionais.

Distribuído no Brasil pela Mares Filmes e com classificação indicativa livre, o filme, apesar de suas sofisticadas pretensões e estudo meticuloso de época, poderia ter sido um estudo mais íntimo e penetrante de Ravel.

Você encontra Bolero no Festival Varilux 2024.

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Retrato de um Certo Oriente

Retrato de um Certo Oriente é uma adaptação do premiado romance Relato de um Certo Oriente de Milton Hatoum. A trama inicia-se em 1949, quando os irmãos libaneses católicos Emilie e Emir abandonam um Líbano em iminência de guerra, embarcando em direção ao desconhecido Brasil. Durante a travessia, Emilie se apaixona pelo comerciante muçulmano Omar, despertando o ciúme incontrolável de Emir, que culpa os muçulmanos pela morte trágica de seus pais. A viagem torna-se ainda mais dramática quando uma briga entre Emir e Omar resulta em um tiro acidental que fere gravemente Emir. Emilie, desesperada, busca ajuda em uma aldeia indígena na selva amazônica para salvar a vida de seu irmão. Recuperado, eles continuam para Manaus, onde as escolhas de Emilie levam a consequências trágicas.

Filmado em um impressionante preto e branco, a cinematografia de Pierre de Kerchove é uma das maiores forças do filme. Cada cena é cuidadosamente elaborada. Os planos fechados trazem uma intimidade poderosa, permitindo que o público se conecte profundamente com as emoções dos personagens. Em diversos momentos, a fotografia remete às obras de Sebastião Salgado, transportando o espectador para um “quadro amazônico” de rara beleza.

Marcelo Gomes, cuja filmografia inclui obras como Cinema, Aspirinas e Urubus e Viajo porque preciso, Volto porque te amo, demonstra novamente sua habilidade em traduzir histórias complexas e humanas para o cinema. A adaptação de “Relato de um Certo Oriente” é tratada com delicada sensibilidade, balanceando a fidelidade ao texto literário com uma abordagem cinematográfica inventiva. Gomes consegue transformar as memórias e fluxos de consciência do romance em uma narrativa visualmente rica e emocionalmente carregada.

A trilha sonora sutil e evocativa complementa perfeitamente a estética do filme, onde muitas vezes o som é de uma natureza presente. Em vez de dominar a narrativa, a música trabalha em harmoniosa sinergia com a cinematografia, sublinhando momentos de tensão e introspecção sem jamais distrair o público da história central.

Além da fotografia, as performances são outro pilar de Retrato de um Certo Oriente. Wafa’a Celine Halawi oferece uma Emilie multifacetada e profunda, enquanto Zakaria Kaakour e Charbel Kamel trazem intensidade e autenticidade aos seus papéis. A participação de Rosa Peixoto e sua família, emprestando rituais e costumes indígenas, adiciona um valioso contraste cultural à trama. A narrativa aborda questões de memória, tradição e identidade de maneira que ressoa profundamente.

Retrato de um Certo Oriente é um estudo íntimo sobre memória, paixão e preconceito, imergido no contexto da imigração libanesa na Amazônia brasileira. A obra é uma homenagem calorosa à complexidade emocional e cultural do romance de Milton Hatoum, traduzida para a tela com sublime maestria por Marcelo Gomes.

Marcelo Gomes entrega um épico íntimo que permanece fiel ao espírito do romance original, ao mesmo tempo em que cria algo profundamente novo e admirável.

Você encontra Retrato de Um Certo Oriente a partir do dia 21 de Novembro nos Cinemas.

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Avenida Beira Mar

Avenida Beira-Mar, o mais novo longa-metragem de Maju de Paiva e Bernardo Florin, é uma obra que ressignifica o gênero coming of age através de um olhar autêntico e sensível sobre a adolescência, as relações familiares e a busca de identidade. O filme chega com um peso significativo, apoiado pelo Selo ELAS da Elo Studios, que visa promover a equidade de gênero no audiovisual.

A trama gira em torno de Mika, uma jovem que busca sua identidade em meio à rigidez e incompreensão de seus pais, contrastando com sua ressignificação do uso das roupas deixadas pela irmã mais velha, que já não reside mais na mesma casa. Em uma reviravolta emocional, Mika conhece Rebeca, uma nova amizade que transforma ambas as vidas.

A amizade entre as duas meninas, contra todas as previsões, cria a força motriz da narrativa. Ao invés do previsível abismo causado pelas diferenças, elas constroem um vínculo de cumplicidade e apoio mútuo. No entanto, a visão pequena e preconceituosa dos adultos em relação a essa amizade desencadeia uma série de eventos dramáticos, transformando a tranquila Avenida Beira-Mar em um palco de confrontos.

“A praia é de todo mundo.”

Maju de Paiva e Bernardo Florin demonstram uma direção notável, focando-se em atmosferas intimistas e desenvolvendo personagens com profundidade. Tal competência foi reconhecida no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, onde eles ganharam o prêmio de Melhor Direção.

O roteiro que já havia tido reconhecimento no FRAPA 2018 e outros festivais, agrega valor ao filme. Os diálogos são fortes e genuínos ao mesmo tempo, ao mostrar a contradição daqueles que deveriam se portar como rede de apoio, como proteção, mas acabam por piorar diante de falas e comportamentos. E as situações dramáticas reverberam a essência do cotidiano, mas com um toque que convida à reflexões.

“Vocês são muito crianças ainda. Vocês nem sabe o que vocês são.”

Avenida Beira-Mar não se destaca apenas pela sua narrativa, mas também pelo movimento que representa. O Prêmio Selo ELAS Cabíria Telecine 2020, o destaque no Maguey Award e a participação no Festival Des 3 Continents, em Nantes, corroboram a importância e a relevância do filme no cenário internacional.

Maju e Bernardo explicam que o projeto nasce do desejo de apresentar novos protagonistas pertencentes ao nosso universo, em vez da imagem dourada da infância frequentemente retratada em filmes estadunidenses. A trajetória de Mika, Rebeca e Marta reflete nossa busca por pertencimento e compreensão mútua, celebrando o que temos em comum.

Avenida Beira-Mar é um filme que não só navega pelas águas turbulentas da adolescência, mas também desafia narrativas tradicionalmente plastificadas ao trazer à tona histórias que precisam ser contadas com empatia. Nos recordando do poder do cinema como uma ferramenta de identificação e conexão, oferecendo um espelho para experiências que, embora individuais, são profundamente humanas.

Com uma direção promissora, um roteiro sensível e uma mensagem poderosa, o longa-metragem  é essencial para todos, todas e todes.

Você encontra Avenida Beira-Mar a partir do dia 21 de Novembro nos Cinemas.

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